Informações de Sistema de Controle Interno com foco na prevenção (um tesouro a ser explorado)

Sistema de Controle Interno com foco na prevenção (um tesouro a ser explorado)

Publicado em 07/07/2023

José Osvaldo Glock

Estes comentários têm por principal finalidade trazer à reflexão alguns aspectos que poderão tornar ainda mais eficaz o Sistema de Controle Interno (SCI) que, no Estado de Mato Grosso, foi instituído nos órgãos fiscalizados do Tribunal de Contas com base no Guia aprovado pela Resolução nº 01/2007.  

Cabe destaque ao pioneirismo dos municípios e dos três Poderes do Estado, a partir da orientação da Casa de Contas, na implementação de um SCI para já atuar com uma abordagem preventiva e descentralizada, na forma de um sistema em sua exata acepção, de maneira  que, além de atender à legislação e normas do controle externo, também se constitua num instrumento de auxílio à gestão. A estrutura do sistema e a base normativa estabelecida propicia que os controles preventivos sejam estabelecidos por processos de trabalho (visão horizontal) agrupados em sistemas administrativos, sendo especificados num conjunto de instruções normativas que compõem o Manual de Rotinas Internas com Procedimentos de Controle de cada órgão jurisdicionado.

Um dos pontos fortes dessa visão sistêmica está no fato de que o órgão central de cada sistema administrativo tem a prerrogativa, com o respaldo de um sistema institucionalizado, de estabelecer regras gerais e procedimentos de controle a serem observados por todas as unidades que interagem nos processos de trabalho de sua competência.

Contudo, decorridos mais de 10 anos da implementação do SCI nesses moldes, é de se questionar até que ponto esse modelo, com todas as suas vantagens, está realmente sendo praticado nos órgãos públicos mato-grossenses, em especial nos municípios.

A base legal e regulamentar, incluindo as instruções normativas previstas no Guia, em geral foi estabelecida, mas é efetivamente observada, inclusive pelos agentes políticos?    

Tal foi a importância dessa ação pioneira do Estado de Mato Grosso que se tornou referência para Tribunais de Contas de outros Estados, além de que alguns aspectos do modelo proposto no Guia de 2007 foram considerados nas Diretrizes de Controle Externo da Atricon que tratam do controle interno nos Tribunais de Contas e nos seus jurisdicionados. Mas o TCE-MT não ficou estagnado em relação a esse assunto, continuou emanado orientações através de vários instrumentos, com destaque às Resoluções Normativas 33/2012 e 26/2014 e o Programa APRIMORA.

Para se ter uma ideia da pertinência do modelo apresentado no Guia do TCE-MT, no Estado do Espirito Santo, onde o Tribunal de Contas reproduziu o mesmo teor e o aprovou através da  Resolução TC 227 de 25.08.2011, quando de uma avaliação do Banco Mundial sobre o SCI do Poder Executivo Estadual foram divulgadas informações nos seguintes termos:

 “O modelo proposto pelo Tribunal se assemelha ao adotado como condição para países como Croácia e a Bulgária se unirem à Comunidade Europeia. Isso porque propiciava a modernização de seus sistemas de controle, tornando-os descentralizados e adotando a doutrina mundialmente aceita das três linhas de defesa, para permitir maior eficiência e eficácia na gestão pública”.

O fato é que, cada vez mais, vem se consolidando em todo o País a compreensão de que a expressão “Sistema de Controle Interno”, diante da redação dos artigos 70 e 74 da Constituição Federal, não deve ter entendimento limitado de que se trata de um instrumento de controle contábil, orçamentário e financeiro, onde o controle interno seria apenas um conjunto de funções tipicamente fiscalizatórias. Em consonância com as normas internacionais, essa visão sistêmica, mais ampla do controle interno, vem tomando corpo em nível nacional.

Assim, tanto em termos técnicos como legais e normativos, está ocorrendo um processo de migração de uma ótica de controle centralizado para uma visão sistêmica, com a gradativa mudança de um foco exclusivamente na conformidade para o da gestão administrativa. Trata-se do aperfeiçoamento de todo o processo de controle, onde os controles internos de gestão devem ser fortalecidos, propiciando também um ganho de qualidade nas funções de auditoria interna e correlatas, bem como, no apoio ao controle externo no exercício de sua missão institucional.

O próprio Tribunal de Contas de União já emitiu vários Acórdãos com recomendações para que sejam realizados estudos com vistas a desenvolver um “sistema de controle interno orientado ao risco e à governança”. Neste sentido, a Resolução Normativa nº 26/2014-TP, do TCE-MT, que aprova os requisitos, o conceito e a estrutura da referência do SCI dos fiscalizados, já retrata essa evolução, em especial em seu art. 13.

Tudo leva ao fortalecimento dos controles internos de gestão, também identificados como controles administrativos ou controles primários, exercidos em caráter preventivo e necessários para mitigar riscos. Um dos principais objetivos deste processo de aprimoramento do Sistema de Controle Interno é consolidar uma cultura de atenção a riscos e controles nas instituições.

O que se busca é assegurar que nos processos de trabalho de todas as áreas, gradativamente sejam estabelecidos e operacionalizados procedimentos de controle necessários para mitigar todas as situações de riscos significativos, considerando também os aspectos de compliance, sob as óticas da conformidade e da integridade.

Para auxiliar a implementação dessas inovações nos municípios jurisdicionados do TCE, seria importante e oportuno que fossem editadas novas orientações, incluindo com uma nova versão do modelo da Instrução Normativa SCI-01 (“norma das normas”), pois as instruções normativas vigentes ainda são baseadas no modelo que consta do Guia de 2007. Nesta, deve ser incluída uma metodologia para a identificação e avaliação dos riscos nos processos de trabalho, que são passíveis de serem mitigados, como base para a definição e especificação dos procedimentos de controle nas instruções normativas.

A abordagem em riscos agrega valor ao SCI, tornando-o mais eficiente e é perfeitamente plausível que sejam incorporados ao Sistema os mecanismos e aspectos positivos do gerenciamento de riscos, independentemente da existência ou não de uma Política de Gestão de Riscos devidamente instituída e praticada na instituição. Mesmo em municípios de menor porte, já é hora dessa prática começar a ser internalizada.

O aprimoramento do SCI pode ser ampliado através da criação de Indicadores de Controle Interno por sistemas administrativos, sendo alguns com a finalidade de monitorar o nível de adesão aos procedimentos de controle estabelecidos e, assim, monitorar os próprios riscos e outros para subsidiar a gestão, quando são estabelecidos para identificar a possibilidade de os objetivos de uma atividade ou processo de trabalho não serem atingidos com eficiência e eficácia, bem como, a necessidade de ações administrativas para a correção de rumo.

Com a estruturação dessas inovações, o Sistema de Controle Interno dos municípios do Estado de Mato Grosso passa a atuar efetivamente segundo a doutrina mundialmente aceita das três linhas de defesa, para permitir maior eficiência e eficácia da gestão, onde a simetria fica caracterizada da seguinte forma:

I - na primeira linha: pelo fortalecimento dos controles administrativos, ou controles da gestão, mediante a estruturação dos controles com abordagem horizontal, por processos de trabalho agrupados por sistemas administrativos; estabelecidos mediante metodologia que prevê a identificação e avaliação de riscos e especificação dos procedimentos de controle em instruções normativas do SCI.

II - na segunda linha: pelo monitoramento da efetividade dos procedimentos de controle a partir dos Indicadores de Controle Interno, ação de responsabilidade dos órgãos centrais de sistemas administrativos com acompanhamento da Unidade de Controle Interno, sendo que tais indicadores podem ser constituídos também para prover suporte à gestão, indicando situações que requerem correção de rumo.

III - na terceira linha: pela atividade de auditoria interna e correlatas, exercidas com independência pela Unidade de Controle Interno adequadamente estruturada.   

Além da necessidade de consolidação e fortalecimento da forma de funcionamento do SCI conforme o modelo acima comentado, em outra vertente tem avançado a avaliação sobre a conveniência da criação de uma Controladoria-Geral (ou denominação equivalente) nos municípios, principalmente nos de maior porte, agregando as 4 macros funções: controladoria, auditoria governamental, ouvidoria e correição. Essa outra visão do controle interno provém da Proposta de Emenda à Constituição 45/2009, que foi definitivamente arquivada em 2018, a qual pretendia incluir o Inciso XXIII ao art. 37 da CF e consta das orientações do Conselho Nacional de Controle Interno (CONACI). No entanto, por demandar alterações estruturais com possível aumento dos gastos com pessoal, essa avaliação torna-se ainda mais relevante.

Numa correlação com o modelo de funcionamento do SCI que estamos comentando, somos do entendimento de que a função de controladoria, executada em nível macro, sem a assunção de controles operacionais de responsabilidade das unidades, pode ser executada mediante o monitoramento dos Indicadores de Controle Interno, além de outras análises, e está inserida dentre as competências da Unidade de Controle Interno (UCI). A função de auditoria governamental equivale à de auditoria interna e deve ser executada com independência, preferencialmente através de uma unidade segregada dentro da própria UCI ou com algum vínculo técnico a esta. Já as funções de ouvidoria e de correição passariam a ser exercidas de forma integrada às funções de auditoria interna e à própria UCI, caso esta seja segregada, ainda que sem vínculo hierárquico com estas.

O mais relevante, contudo, é que o Sistema de Controle Interno seja efetivamente operante e respeitado, pois já contempla de forma institucionalizada as atividades de controle desenvolvidas por todas as unidades da estrutura organizacional, exercidas através dos controles administrativos de caráter preventivo, que são inseridos no processo de gestão e destinados a mitigar riscos.

É necessário que permanentemente todas as unidades que integram os órgãos públicos sejam conclamadas a participar do processo de controle, como forma de prevenir situações de ilegalidades e irregularidades na Administração.  Isso passa pela conscientização dos agentes políticos e administrativos quanto às suas responsabilidades enquanto gestores de recursos públicos, onde o Município ou qualquer órgão estatal deve estar acima de interesses pessoais ou de grupos, inclusive de cunho político-partidário.

Assim como agiu em 2007, quando motivou a institucionalização do Sistema de Controle Interno em seus jurisdicionados, o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso pode voltar a exercer um papel fundamental para que os órgãos públicos, em especial no âmbito dos municípios, passem a explorar este verdadeiro tesouro, como instrumento de eficiência, eficácia e tranquilidade da gestão quanto à legalidade e regularidade de suas operações.   

Além das atividades que vêm sendo desenvolvidas pelo TCE-MT no sentido de conscientização, motivação e capacitação, com destaque ao importante trabalho executado pela Secretaria de Controle Externo de Administração Municipal, é momento de uma revisão do Guia aprovado em 2007, em cuja elaboração prestamos nossa colaboração técnica. Com mais de 10 anos de vigência, é oportuna a edição de uma versão atualizada contendo as orientações para as adequações a serem realizadas pelos municípios em seus respectivos Sistemas de Controle Interno. Isso se justifica em função do próprio processo de evolução e também da necessidade de incorporar as novas orientações que foram emanadas através de Resoluções do próprio TCE.

Mesmo que a maior parte dos municípios ainda não se utilize de recursos mais sofisticados de gestão, é fundamental, ao menos, a adoção da prática de identificação e avaliação de riscos para a definição dos procedimentos de controle, aspecto que ainda não era muito enfatizado à época da elaboração do guia vigente, além de um maior envolvimento de todas as unidades nesse processo. Por este e outros motivos, um novo Guia poderia ser dirigido especificamente à Administração Pública Municipal, onde seriam incorporadas as orientações do Projeto Aprimora, com as devidas adequações para que se apliquem genericamente a todas as áreas e atividades dos municípios.

O resultado do trabalho de identificação do perfil do Sistema de Controle Interno dos municípios mato-grossenses, incluindo a percepção dos prefeitos municipais e dos presidentes de Câmara de Vereadores acerca das suas receptivas Unidades de Controle Interno, realizado pela Secretaria de Controle Externo de Administração Municipal e concluído no final de 2019, certamente fornecerá os subsídios necessários para as novas orientações.

Constata-se que existe um bom nível de maturidade e conscientização por parte dos controladores internos dos municípios em relação à relevância de suas atividades e do próprio Sistema de Controles Interno, mas em geral isso não é correspondido na visão dos agentes políticos, secretários municipais e demais agentes administrativos. Para a maioria deles infelizmente ainda não está claro que o Sistema de Controle Interno, além de seu papel de fiscalização e de apoio ao controle externo no exercício de sua missão institucional (art. 74, IV da CF), deve ser entendido como um meio de auxílio à própria gestão. É preciso consolidar o entendimento de que

... não há hierarquia entre os controles externo e interno, há complementação. Diferentemente do controle externo, o controle interno assume um papel mais voltado PARA A GESTÃO do que SOBRE A GESTÃO, por ter a possibilidade de exercer o controle PREVENTIVO.

Desta forma, além da orientação técnica a ser refletida na nova versão do Guia, seria importante o desenvolvimento de algumas ações, por parte do TCE, de cunho informativo e motivacional, dirigida aos senhores prefeitos, presidentes de Câmara de Vereadores, secretários municipais e a qualquer servidor público ou cidadão interessado no tema.

Essas novas orientações do Tribunal de Contas são iniciativas que estariam em consonância com as Diretrizes que constam do Anexo à Resolução Atricon 05/2014 (“Controle interno: instrumento de eficiência dos jurisdicionados”), em especial nos seu item 28, mas os controladores internos, através da AUDICOM-MT, também podem exercer um importante papel, pleiteando e colaborando com a concretização dessas ações. 

Independentemente do suporte do Tribunal de Contas nesse processo de valorização do trabalho exercido pelos controladores internos, seja na forma de orientação como no próprio processo de fiscalização do cumprimento, por parte dos gestores, das orientações sobre a estrutura mínima para a UCI, incluindo as questões relacionadas ao cargo de Controlador Interno, também é fundamental a postura e o desempenho dos próprios controladores em seus municípios.  

Neste sentido, um possível aspecto importante que podem utilizar como argumento junto aos prefeitos e presidentes de Câmara de Vereadores é o fato de que, sendo 2020 um “ano eleitoral”, afigura-se uma grande oportunidade para estes que deixem marcado na história de seus municípios a ideia de que exerceram uma administração realmente comprometida com eficiência, eficácia, regularidade e legalidade em todos os seus atos, e que propiciaram condições para o controle interno exercer adequadamente do seu papel na busca desses objetivos.  

 

SOBRE JOSÉ OSVALDO GLOCK

Natural de Curitiba, é Bacharel em Ciências Contábeis pela UFPR e membro da Academia Catarinense de Ciências Contábeis. Exerce atividades junto à Administração Pública desde 1973, tendo atuado como auditor interno em empresas de serviços públicos por mais de 20 anos e como consultor junto a municípios e outras organizações estatais desde 1996.Foi consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID junto a empresas do Setor Elétrico e também do DNAEE. Foi diretor do Instituto Brasileiro de Auditores Internos – IIA-Brasil Regional SC. Lecionou na Faculdade de Administração e Economia da PUC-PR e em cursos de pós-graduação nas Universidades Federais de Santa Catarina e do Tocantins. É coautor de 3 livros da Editora Atlas, e autor do livro Sistema de Controle Interno (SCI) na Administração Pública, da Editora Juruá, 2015.

Desenvolveu um modelo de funcionamento do SCI que foi retratado em livro publicado em 2003. Mediante consultoria ao Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, contribuiu na elaboração do Guia aprovado pela Resolução nº 01/2007, o qual, por sua vez, serviu de referência para outros Tribunais, incluindo o TCE/ES, TCE/RJ, TCE/CE, TCE/RO e TCDF. Vários aspectos desse guia foram considerados nas Diretrizes de Controle Externo da ATRICON (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil) em relação ao controle interno. Este modelo vem sendo implantado em Poderes Executivo e Legislativo estaduais e municipais, Tribunais de Contas, Tribunais de Justiça e Ministérios Públicos em diversos Estados.

Exerce atividades de consultoria e capacitação para implementação ou adequação do Sistema de Controle Interno e tem se dedicado ao constante aprimoramento da abordagem e dos instrumentos associados ao SCI. No Estado de Mato Grosso, orientou a implementação do SCI no Tribunal de Justiça, Assembleia Legislativa, Ministério Público e Defensoria Pública do Estado. Vem prestando colaboração técnica espontânea sobre o assunto a inúmeros órgãos públicos e disponibilizando o produto de seus estudos em vários meios de divulgação. Em 31.01.2020. E-mail:jose.glock@jgconsultoriasci.com