Informações de Burlar o teto constitucional configura crimes de receptação e peculato e ainda ato de improbidade?
Burlar o teto constitucional configura crimes de receptação e peculato e ainda ato de improbidade?
De acordo com a Emenda Constitucional nº 41/03, a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta e indireta, de todos os Poderes da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos ministros do STF.
Nesse caso, aplica-se como limite, nos municípios, o subsídio do prefeito, e nos Estados e no DF, o subsídio mensal do governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos deputados estaduais e distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos desembargadores do TJ, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos ministros do STF, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos procuradores e aos defensores públicos.
Portanto, todo o funcionalismo público deveria ter como referência a Lei nº 13.752/18, que dispõe sobre o subsídio de ministro do STF, determinando como teto remuneratório do funcionalismo público o valor de R$ 39.293,32. Por outro lado, é comum verificar em diversos órgãos da administração pública brasileira subsídios acima do teto definido pela Constituição de 88.
O afronto a norma constitucional é facilmente percebido ao considerarmos a decisão proferida pelo Plenário do STF, em 2 de outubro de 2014, entendendo que a regra do teto remuneratório dos agentes públicos é de eficácia imediata, admitindo a redução de vencimentos daqueles que recebem acima do limite constitucional. A decisão foi tomada no julgamento do recurso extraordinário 609381, com repercussão geral reconhecida, no qual o Estado de Goiás questionava acórdão do Tribunal de Justiça local que impediu o corte de vencimentos de um grupo de aposentados e pensionistas militares que recebiam acima do teto.
Pelo exposto, apresenta-se a tese do cometimento do crime de receptação, peculato e improbidade por parte daqueles que recebem remuneração acima do teto constitucional. Esse entendimento encontra fundamento na decisão do STF que, admite cortes de vencimentos que ultrapassam o teto do funcionalismo, pela ilegalidade do ato, muito embora, a corte tenha entendido que as vantagens ilegais até então, não precisariam ser restituídas aos cofres públicos, sob a alegação de terem recebido de boa-fé.
Entretanto, essa mesma prática ilegal poderia ter outra interpretação, ao considerarmos o artigo 180, do Código Penal, que define como crime de receptação adquirir, receber em proveito próprio ou alheio, coisa que seja produto de crime.
Nesta abordagem considera-se crime a conduta praticada pelo ser humano que lesa ou expõe a perigo o bem protegido pela lei penal. O crime de receptação em tese estaria configurado se considerarmos “coisa produto de crime”, como sendo a remuneração ou outra espécie remuneratória, superior ao subsídio mensal, em espécie, dos ministros do STF no âmbito federal e dos limites fixados em lei no âmbito estadual e municipal.
Neste contexto, o recebimento de vantagem acima do teto constitucional também poderia em tese, ser enquadrado, como crime de peculato mediante erro de outrem, tipificado no artigo 313, do Código Penal, quando o agente público se apropria de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem.
Cabe ressaltar que no Estado Brasileiro toda pessoa que ocupa um cargo legislativo, executivo, administrativo ou judicial é definida como agente público, estes, que devem estar submetidos aos princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
“A improbidade estaria configurada pela omissão do agente público em cumprir a legalidade, ao receber para si, em benefício próprio, vantagens ilegais, percebidas acima do teto do funcionalismo.”
Ao considerarmos o princípio constitucional da legalidade, identificamos elementos suficientes para o possível enquadramento dos agentes que percebem vantagens acima do teto em ato de improbidade. Tal entendimento é amparado no artigo 9º da Lei nº 8.429/92, que define ato de improbidade administrativo, receber, para si ou para outrem, dinheiro, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público. Neste caso, a improbidade estaria configurada pela omissão do agente público em cumprir a legalidade, ao receber para si, em benefício próprio, vantagens ilegais, percebidas acima do teto do funcionalismo.
Diante desses dados, garantindo o princípio do contraditório e da ampla defesa, para aplicação das penalidades cabíveis, considerando o artigo 3º, da lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que nos garante a eficácia de nosso ordenamento jurídico ao estipular a presunção de conhecimento da lei, torna-se cristalina a tese que, ao burlar o teto constitucional, exista fortes indícios de crime consumado, nos casos em que o agente público receba remuneração ou outra espécie remuneratória, percebidos acima do teto do funcionalismo, reunindo todos os elementos de sua definição legal, nos termos da Lei nº 13.752/18, do artigo 9º da Lei 8.429/92 e dos artigos nº 180 e 313 do Código Penal Brasileiro.
Em meio a um “Estado de impunidade”, espera-se que esta reflexão possa de alguma forma despertar, e porque não empoderar a sociedade para o exercício do controle social, como forma de transpor os desafios impostos pelo corporativismo e pelo fisiologismo que fragilizam boa parte das instituições do Estado brasileiro.
Angelo Silva de Oliveira é controlador interno da Prefeitura de Rondonópolis, mestre em administração pública (UFMS), especialista em gestão pública municipal (UNEMAT) e em Organização Socioeconômica (UFMT) e graduado em Administração (UFMT) e presidente da AUDICOM-MT. E-mail: aso.angelo@terra.com.br.
*O conteúdo deste artigo não expressa a opinião da AUDICOM-MT.